D. Duarte chamado rei numa igreja do Rio
A
Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, no
centro antigo do Rio de Janeiro, estava ontem engalanada de flores
amarelas e polícias militares empunhando bandeiras. Lá dentro, a música
era cantada em latim. O tom era de festa. Só destoava a rapariga que à
porta distribuía panfletos a quem passava, como numa "manif". "Nota de
desagravo", dizem.
A celebração que decorria nesta igreja era
alternativa ao programa oficial. Nela não participava Cavaco Silva,
convidado de Lula nas comemorações dos 200 anos da chegada da família
real ao Brasil, que estão a decorrer. A Igreja do Rosário foi onde D.
João VI, ainda príncipe regente, assistiu ao Te Deum no dia em
que desembarcou no Rio, 8 de Março de 1808. Mas não foi a igreja
escolhida agora para as comemorações oficiais. A nobre função coube à
actual sé, remodelada por uma empresa privada e onde Cavaco assistiu a
um concerto.
Fora das comemorações oficiais, a Igreja do
Rosário não se ficou e resolveu fazer um panfleto de protesto e
celebrar na mesma com "uma missa solene, aberta ao mesmo tipo de
público, que de forma entusiasta recebeu a família real, em 1808: nós,
brasileiros comuns".
Negros, mulatos, brancos, enfim, numa
definição, brasileiros, encheram os bancos da igreja. A irmandade que
gere a igreja chama-se "dos homens pretos" porque foi desde cedo
composta por escravos, e negros libertados - muitos com fundos da
paróquia. No primeiro Te Deum, o príncipe regente foi recebido
pelos negros da congregação, como retrata o quadro de Armando Viana,
agora na capa do catálogo da grande exposição sobre o tema, aberta na
sexta-feira por Cavaco e Lula no Museu Nacional.
Foi essa
audiência mista que rejubilou em palmas com a entrada de D. Duarte Pio
na cerimónia. No Rio a convite da câmara, atrasado por ter estado com
Cavaco - veio a pé dois quarteirões até à igreja -, foi saudado com um
"vem entrando o rei de Portugal" pelo nervoso apresentador negro, que
nem reparou no erro diplomático.
Na igreja já estavam D. Luís
Gastão, herdeiro do trono brasileiro, e seus irmãos, que se associaram
à celebração não oficial. Para os Bragança, descendentes de D. João VI,
todas as comemorações são boas: dignificam as memórias familiares,
relembram o lugar deles, herdeiros sem trono, na história. "Fiquei
muito emocionado com o discurso de Lula", conta D. Bertrand de Orleans
e Bragança, irmão de D. Luís. O presidente brasileiro agradecera à
família o papel na criação do Brasil e enalteceu D. João VI no discurso
de inauguração das comemorações.
D. Duarte Pio é descendente de
D. Miguel, que não esteve ao lado do irmão na questão brasileira. Mas
200 anos depois, e sem monarquia instituída em nenhum dos países, a
questão é pouco relevante. Como aliás mostra a recepção, entre o
eufórico e o curioso, que ele e Isabel de Herédia tiveram nesta missa e
no que se seguiu.
Depois da cerimónia, houve o "aperto de mão"
a D. Luís - muito parecido com o beija-mão real em que D João VI
passava tardes no Paço Real. Os que participaram na missa foram
cumprimentar o herdeiro, ele sentado numa cadeira no meio do salão
paroquial, eles em fila indiana à espera do momento. Nenhum dos
presentes teve de passar por seguranças, como aconteceu na cerimónia de
Lula e Cavaco. Até o fotógrafo de serviço, Jadson, apareceu porque viu
o anúncio da missa no jornal e achou que havia ali negócio: vendia, por
20 euros, "a sua foto com o imperador". Uma verdadeira manifestação
popular, como dizia Isabel de Herédia, "muito divertida e sem
preconceitos". "Viva o Brasil! Viva D. Luís! Viva D. Duarte Pio! Viva
Portugal, nossa pátria mãe!", gritou o apresentador no final da
cerimónia. |
In diario de Noticias 09/03/2008
CATARINA CARVALHO
Enviada especial ao Rio de Janeiro
http://dn.sapo.pt/2008/03/09/nacional/d_duarte_chamado_rei_numa_igreja_rio.ht